- Cacete, como vou mostrar pra ela o que estou sentindo? – resmunguei olhando pela janela.
O trem, como todas manhãs, estava completamente lotado e, talvez pela primeira vez, não me importei com isso nem um pouco, meus pensamentos estavam distantes. Nem mesmo o vento frio, que penetrava pela minha pele fazendo os dentes rangerem em um movimento constante, conseguiam mudar meu pensamento.
As arvores passavam rapidamente pela janela, verdes e cobertas de musgos, logo sendo trocadas por um amontoado de concreto seco. O cheiro de névoa era trocado também, pelo odor podre de poluição e fumaça liberada pelas grandes chaminés das fabricas ou pelo escapamento dos carros.
Peguei o celular do bolso com dificuldade, por culpa do amontoado de pessoas e comecei a digitar sem pensar.
“Antes de você, eu nunca havia sonhado acordado a noite. Antes de você, eu nunca havia chorado de alegria. Antes de você, eu nunca havia visto os olhos de alguém na escuridão do meu quarto. Antes de você, eu nunca havia enrolado o cobertor e o abraçado em um gesto desesperado de saudade e carência. Antes de você, eu nunca havia sorrido de verdade, mostrando todos os dentes. Antes de você, eu nunca havia me esforçado por alguém. Antes de você, eu nunca tinha sentido esse ciúme forte com medo de te perder para alguém.”
Parei e olhei para o que tinha digitado, claro, como sempre, eu iria chegar em casa e arrumar depois de um surto de inspiração, mas ele não havia vindo, aquilo era só... aquilo.
Apaguei tudo e guardei o celular no bolso novamente.
- Eu quero demonstrar isso, mas como? – sussurrei olhando novamente pela janela.
Sentei na segunda carteira da segunda fileira da sala comprida e cheia de alunos, como sempre fiz. Alguns garotos falavam em voz alta sobre qualquer assunto sortido, outros riam e outros gargalhavam.
- Eu não preciso suportar isso. – disse a mim mesmo colocando o par de fones de ouvido e ligando a musica no ultimo volume.
Depois, abri o livro que estou lendo no momento e encarei as letras impressas na pagina amarelada como se elas fossem me dizer o que fazer. Não deu tempo, o garoto que senta ao meu lado se aproximou e começou a puxar conversa. Merda.
Sai mais cedo da faculdade, antes de aula de Elétrica terminar. Não queria voltar com o meu vizinho de carteira, ele iria conversar comigo e eu precisava escrever alguma coisa.
Atravessei a catraca e caminhei pela suja e fria avenida cheia de bares em passos firmes e nariz erguido. Quando pude ver a estação, o trem passou em uma velocidade impressionante, esqueci tudo, comecei a correr o mais rápido que pude e assim que o trem passou pela estação, eu aumentei a velocidade na esperança de conseguir entrar nele. Doce ilusão.
Fiquei sentado em um banco de madeira olhando para o horizonte, as nuvens negras cobriam todo o local e o frio apenas se intensificava, junto com o medo de uma forte tempestade que estava a caminho.
Peguei o celular novamente e olhei para ele.
- O que vou escrever? – grunhi em voz alta.
O guarda da estação que estava parado olhando para a estação com os olhos fixos na grossa linha de ferro que a atravessava e virou-se para mim em um gesto assustado.
Sentado no banco duro do trem, congelando com o ar condicionado ligado, virei-me em direção a janela. Novamente as arvores estavam passando, mas dessa vez, o vento forte as fazia dançar em varias formas, dando a impressão de que elas eram moles.
Tirei o celular do bolso e tirei uma foto das arvores, ela ficou borrada, então apaguei.
- Cacete.
Apesar de tudo, sob as cobertas quentes, eu estava muito feliz, por vários motivos.
- Batemos o recorde! – disse pra mim mesmo enquanto me mexia na cama a procura de uma posição confortável.
O vento assobiava lá fora quando as primeiras gotas caíram e molhavam o vidro do meu quarto.
- Ótimo, chuva.
Peguei o celular novamente e encarei-o com os olhos semicerrados.
- Vamos, eu a amo e quero mostrar, me ajuda! – disse em voz baixa.
Ele não respondeu.
- Já sei! Vou escrever um conto incrível sobre ela sofrendo um acidente e eu indo ficar com ela no hospital até ela acordar, por meses! – pensei que era a idéia do século, mas, não era.
O texto ficou muito descritivo, como todos os que eu faço e percebi que ia ficar as próximas cinco horas escrevendo e não ia sair do lugar, por isso, parei de digitar e peguei meu caderno e comecei a estudar.
Estudei, estudei e estudei.
A água do chuveiro caia quente sobre o meu corpo, me dando uma sensação muito prazerosa, o dia estava muito frio e aquilo era uma nova fonte de energia para uma mente cansada e dolorida.
- Eu a queria aqui comigo e não sei como dizer isso! – disse enquanto inclinava a cabeça para trás e deixava a água molhar meu cabelo deixando meu rosto vermelho e quente.
Sai do banho em vi a toalha azul-escura dela pendurada ao lado da minha em ganchos de metal.
- Acho que poderia me secar com a toalha dela, seria bom se sentir próximo dela. – pensei em voz alta e comecei a passa-la pelo meu corpo molhado até sentir os pequenos gomos na minha barriga.
- Ah, olha só o que eu faço por ela, é bom que me ame muito.