Desde o dia em que ele apareceu na minha vida, como uma escuridão devorando a sanidade, o simples ato de viver tornou-se um tormento mortal, trazendo dor, insegurança e... medo do escuro.
A sociedade julga minhas palavras com ferro e fogo e os ideais submersos nunca serão revelados. Podem dizer que eu sou louco, não me importo, de certa forma, vocês não entenderiam. Não se pode compreender a terrível simetria entre o nosso mundo e as sombras, o complexo labirinto entre a realidade e a fantasia, onde ele mora, onde ele vive e onde ele odeia.
Começou com uma brincadeira de criança, infantil e inocente. Era essa época, antes do horror pintar as paredes do meu cérebro com sua tinta vermelha. O casarão na Rua Fernandes era antigo, mais antigo do que se pode dizer e suas lembranças tão terríveis quanto o temor que ela trazia as pessoas que passavam lá perto. De dentro sempre soprava um sussurro gélido e terrível, arrepiando a espinha do homem mais corajoso que eu conhecia, eu mesmo.
Foi isso que o trouxe, minha insatisfação e desprezo para com o medo, o medo de ter medo, o medo que mais queima os pulmões, o medo que mais acelera o coração. A sombra pairava sobre a casa, negra como fumaça, porém, vazia como o mundo. Podia senti-la do ar frio que eu respirava, nas taboas podres em que eu pisava e na canção que eu cantava. Como se tivesse me escolhido, algo provável, apareceu na minha frente como uma cegueira noturna, pelos arrepiados juntos com a primeira sensação de horror que profanou minha mente desde que me lembro como gente. Foi terrível, mas, nada mais terrível do que o futuro colocou nas minhas costas, o peso da escuridão concentrada.
A partir desse dia, ele sempre esteve comigo, andando lado a lado, como a solidão que acompanha um garoto perdido. Era uma forma indefinida, ninguém acreditava, ninguém via, apenas sentiam algo de errado comigo, as mechas de cabelo em minhas mãos, a vermelhidão dos meus olhos, as olheiras negras descendo pelo rosto. Meu cansaço era visível e isso me tornou diferente, pelo que meus pais diziam, mas, eles não entendiam. A figura atravessava a negra escuridão do meu quarto escuro e tornava o lugar frio, a figura dançava com as sombras as minhas costas trazendo horror ao escuro, a figura me assustava como nada havia assustado, ela era o medo encarnado.
Cada vez maior, cada vez mais forte, as correntes arrastavam pelo chão e seu tilintar trazia suor ao meu rosto pálido, ele dizia palavras profanas aos meus ouvidos e me fazia acreditar que aquele era o fim. Não havia saída, ele não iria embora e continuaria a me atormentar em seu canto infernal. Eu estava sozinho, a melancolia devorava toda a sanidade mental e lavava o calor do meu corpo levando a esperança embora, ele falava em muitas línguas, muitas respostas e muitos horrores, toda a dor que traria se eu continuasse, que a chuva seria quente demais para eu agüentar, que ela queimaria a minha pele como acido e eu me tornaria o cego que havia nascido para ser. Todos os dias ele me perseguia, na escola, na rua e em casa e trazia consigo a promessa de um anjo. A morte.
Guardar a dor era impossível, sentar na cama e sonhar acordado com uma vida normal era fora de cogitação, eles me julgavam, não havia caminho certo e todos os errados levavam para um fim. Onde o rio corria era fácil ver a nascente, limpa e alva, mas, a poluição havia se tornado forte e, ao seu fim, era melhor esquecer a beleza perdida, ninguém pode ver como eu me sinto, ninguém entende meus gritos ou ouve meu clamor, uma vitima de uma mente machucada, ele era forte, ele podia fazer o que quiser em seu plano e fragmentar todo o tipo de alegria que eu poderia vir a ter, caindo no escuro, descendo pela enorme cavidade deste inferno, tocando uma sinfonia distorcida que entrava pelos meus ouvidos.
Era meu ultimo encontro com ele e eu tinha coisas a dizer, sobre a lamina sem brilho que ele havia usado para me apunhalar, sobre o sorriso em seu rosto ao me fazer sofrer, sobre as lagrimas que derrubei e a dor que temi.
Ele lia minhas palavras cegas que em gritos tornaram-se um gemido sofrido, lamentos e um clamor indefinido. Fim.
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