segunda-feira, 13 de junho de 2011

- sobre lobos e luas, 21° missão.

O crepúsculo se aproximava apressado e o limpo céu azul começava a ser manchado por um avermelhado intenso, as poucas nuvens perdiam o foco quando o manto negro da noite cobria a vastidão da visão humana, sua escuridão penetrava na mente do homem como uma faca limpa e brilhante, que refletia com seu aço frio todos os medos que se aproximavam.

Lá, para onde os pássaros não voavam, lá onde as canções não faziam sentido, lá onde as pessoas temiam, lá onde a beleza se perdia. Lá era onde ele morava, na pequena casa de tijolos cinzentos mal pintados, onde um numero prateado estava pregado. Era assim há muito tempo, todos sabiam, era assim desde que começou, desde que fora mordido.

Havia feito calor durante o dia inteiro, o sol lhe deu uma falsa sensação de esperança, mas, com aproximação da noite, ventos frios traziam arrepios ao homem constantemente e com eles, a certeza dos males que ocorreriam.

Seus braços cheios de cortes e rasgos profundos estavam apoiados na borda da janela. Muitas cicatrizes clareavam a pele pouco bronzeada e mais dores do que podia suportar eram trazidas a sua mente cada vez que as fitava.

Puxou o vidro da janela com força e o barulho ecoou pelo quarto semi-vazio e mal iluminado dando um aspecto de solidão inexorável.

- Ela já deve estar longe. – Resmungou o homem a si mesmo com sua voz grave.

Falar sozinho era costume quando dias assim chegavam, era como ter um amigo invisível, a solidão parecia menos depressiva.

Caminhou em passos lentos e arrastados até o banheiro no outro lado do aposento, abriu a porta, que rangeu alto preenchendo o silencio que inundava o local.

Vários cacos de espelho estavam caídos no chão em diversos formatos, o resto do objeto na parede estava com varias rachaduras e marcas de sangue pintando as formas retas formadas em sua superfície. O homem, ao entrar no banheiro pisou com seus pés descalços em alguns cacos, que penetraram fundo como espinhos de roseira, mas, pouca atenção lhes foi dada. Ele parou frente ao resto do espelho quebrado pendurado na janela e fitou-o. Fez uma careta de indignação.

- Nunca fui um homem bonito, mas, ando um lixo! – comentou consigo mesmo passando a mão calejada pelo rosto e dando uma boa olhada em sua barba que crescia como grama no verão. – preciso voltar a me cuidar, não sei como a Amélia ainda gosta de mim... – terminou.

Inclinando um pouco a cabeça para baixo, fitou a alva pia de porcelana Abriu a torneira e deixou a água fria cair em uma fina linha de água limpa e clara, na qual molhou as mãos e passou-a pelo cabelo ralo e oleoso jogando-o para trás.

Virou-se para a porta e caminhou até a velha cama de casal que praticamente se estendia de parede a parede do quarto. Sentou-se e colocou um pé sobre o joelho, viu os cacos que haviam penetrado no seu pé e ficou surpreso de com o numero, tão poucos. começou a tira-los com os dedos em forma de pinça, quando terminou, olhou novamente para a janela, mas, sem sair do lugar que estava. A noite estava chegando rapidamente, a luz do sol já se dissipara quase que totalmente, levantou e correu em poucos passos na direção a porta, trancou-a e o fez também com o pesado cadeado dourado.

Tudo ia desmoronar novamente, os sentimentos, as lembranças. Era assim sempre que a lua cheia subia, sempre o medo crescia e o maldito cão prevalecia. O único pensamento que o mantinha firme era que Amélia estava a salvo e era isso que importava, ela havia estado com ele e o dava forças para continuar em frente, independente de seus problemas, ambos eram felizes, por isso, perde-la era o seu maior medo, era como perder o único pilar que o sustentava.

Voltou para a cama e deitou-se nela de qualquer jeito.

- Juntos na saúde e na doença, na alegria e na tristeza. – disse pra si mesmo olhando para os restos da lâmpada no teto que um dia já iluminara o local. – quem ia acreditar nisso? Em um voto feito na igreja? – terminou.

Após um riso seco e irônico, voltou os olhos para a janela. A noite chegou. A lua cheia emergiu.

O velho ciclo estava pronto para recomeçar, todo o medo havia ido embora durante os primeiros anos, claro, a ilusão de que um dia poderia ser o homem que fora um dia, já estava enterrada há muito tempo. Os pesadelos dançavam na escuridão como demônios, trazendo pensamentos horríveis a mente do homem, medos escondidos sob uma fina camada de insegurança.

Começou, a dor se alastrou por todas as células do seu corpo queimando como gelo, ardendo como brasa, fazendo seus membros se contorcerem em formas estranhas e irregulares, seus olhos reviraram-se para cima tornando tudo mais escuro do que deveria estar, suas mãos agarraram o lençol rasgado e puxaram-no com força soltando-o das bordas do colchão. Aos poucos, sua forma humana foi sendo alterada e seus traços tornando-se animalescos. Seu nariz começou a esticar e tornar-se um comprido e largo focinho, sua boca sofreu do mesmo mal e seus dentes cresceram rapidamente tornando-se afiados e pontiagudos, como presas. Suas unhas cresceram até tornarem-se cinco pares de afiadas garras negras, que penetraram fundo no colchão rasgando-o em puxões poderosos, suas pernas dobraram-se para trás e esticaram afinando-se, o mesmo aconteceu com seus braços e, aos poucos, pelos cinzentos começaram a crescer por todo o seu corpo em uma velocidade absurda.

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