terça-feira, 14 de junho de 2011
- De desejos, 29º missão.
- De buscas, 28º missão.
- De canções, 27º missão.
- De Kvothe, 26º missão.
- De Fingolfin, 25° missão.
- corra, 24° missão.
Em algum lugar dos cinzentos becos da periferia, um garoto movia-se rapidamente correndo entre os corredores escuros. Atrás dele, colados as suas costas, vinham dois perseguidores cobrindo rapidamente o terreno que os separava, seus passos firmes chocavam-se com as poças no chão irregular e acidentado, fazendo a água suja respingar para longe em varias direções.
Acima deles, o céu estava coberto por grades e majestosas nuvens cinzentas, que tornavam o dia escuro, algo que lhe dava um aspecto um tanto triste, algo próprio para o que fato que iria ocorrer naquele fim de tarde. Raios cruzavam o céu constantemente, clareando o escuro caminho que se estendia à frente como faixas de luz e seus trovões altos e estrondosos, ecoavam pelos corredores levantados por grossas paredes de tijolos avermelhados. Grandes gotas de água desciam do céu tempestuoso explodindo quando se encontravam com algum alguma resistência, ocasionalmente, o rosto do fugitivo.
O fugitivo, por ser alto, esguio e ligeiramente magro, conseguia correr muito rápido, algo que os dois homens atrás dele, que possuíam um porte mais robusto, não haviam calculado direito em sua insensatez. Suas pernas, compridas e finas, lhe davam velocidade para correr com grandes passos e impulso para saltar os obstáculos que apareciam ocasionalmente em seu caminho, que muitas vezes não passavam de sacos de lixo, entulho ou até, pequenos animais. Seu rosto pálido e de aparência cansada, com traços e linhas bem definidas, mostrava uma mascara de medo e tensão, que era vislumbrada pelos perseguidores toda vez que ele o virava para trás procurando calcular a distancia. O suor que se misturava com a água da chuva, descia pelo rosto em finas linhas, começando de seus cabelos claros e terminando, por muitas vezes, em seus brilhantes e pequenos olhos claros ou, em raras oportunidades, em sua fina e pequena boca, trazendo-lhe um gosto estranhamente salgado, algo o qual não dava a mínima atenção, não no momento. Sua blusa negra e de um tecido grosso e quente, que em teoria o protegeria do frio, estava completamente encharcada com a água da chuva, seu zíper da frente estava fechado apenas até a metade, onde seu braço, coma manga machada de sangue, entrava por dentro dela e parecia pressionar algum ferimento. Suas calças jeans eram escuras e desciam até o par de tênis, que já não lhe oferecia qualquer proteção contra a água da chuva que estava na rua em poças ou correndo pelas extremidades, molhando sua meia e lhe causando muito frio, mas, isso não importava, só precisava continuar correndo até estar a salvo, até deixar os dois homens para trás e estar no conforto da sua casa, poder ver seus pais novamente, poder conversar com ela...
Atrás dele, a dupla de perseguidores vinha a toda velocidade, um era alto e robusto, de ombros largos e braços grandes, pele de cor escura e um sorriso malicioso cobrindo o rosto. O outro era menor, de cabelo escuro e curto, pele clara e um olhar ameaçador. O grande perigo para o garoto que corria desesperadamente pela sua vida estava no par de grossas e brilhantes facas que os dois portavam firmemente nas mãos. A que o garoto menor segurava, reluzia uma mancha avermelhada.
Após alguns minutos de corrida frenética, o fino solado do tênis do fugitivo não lhe deu proteção contra um grande prego enferrujado que estava preso a um pedaço de madeira velho, cujo repousava no chão. Ele penetrou pela borracha e cravou-se profundamente no pé do garoto, que sentiu a aguda dor do ferro rasgando sua carne. Em vão, tentou dar mais um passo, porém, o prego não se soltou de seu pé e o pedaço de madeira ao qual ficou preso por conseqüência, continuou lá, fazendo sua perna fraquejar perante a dor e perder o apoio que deveria dar. Por fim, tombou para frente em um baque surdo que ecoou mais alto que qualquer trovão, pelo menos para ele. Seu rosto chocou-se de frente com o concreto frio e molhado.
A dor de seu dente rachando-se contra o chão foi forte, a dor do prego enferrujado dentro de seu pé era muito forte, mas nada se comparava com o medo que tomou conta de cada célula do seu corpo quando percebeu que caminho tudo isso estava tomando, talvez um caminho sem volta.
Seu corpo tremia muito, mas não sabia se era por causa do medo ou do frio, virou-se para a direção de onde veio e observou o semblante escuro dos dois homens aproximando-se e entrando em seu campo de visão, graças a uma fraca lâmpada que pendurava na parede mais próxima. Com a mão direita, puxou o pedaço de madeira com força e conseguiu tirar junto o prego que lhe causava tanta dor, depois, atirou-o para o lado com força.
A cada passo que a dupla dava, o garoto sentia um pedaço de esperança sendo quebrado bem a sua frente. Uma sensação terrível tomou-o por completo, um medo absurdo de que talvez não pudesse sair daquela situação com vida, algo impossível de ignorar.
O vento gélido soprava forte e o garoto sentiu seu corpo estremecer em espasmos de calafrios, seu peito queimava como brasa graças ao ferimento que o haviam causado há alguns minutos atrás, antes da fuga. A respiração arfante vinha em grandes impulsos de ar, que eram puxados com força, o ar frio entrava em seus pulmões queimando-o fracamente, mas, causando grande incomodo. Usado o resto de força que lhe restava, que não era muito graças à corrida, colocou os dois pés no chão, a dor subiu pelo pé perfurado, mas não se importou. Com um fraco gemido, escorou-se em uma parede com as mãos, usando-a de apoio e pôs-se de pé com dificuldade. Depois, ficou frente aos dois homens que haviam parado a poucos metros dele e os fitou com um olhar firme, um olhar brilhante que entre a escuridão, dançou maliciosamente estudando os dois. Eles o observavam firmemente também, mas, com menos cautela, graças à vantagem numérica e por estarem armados, esbaldavam a confiança que possuíam, talvez, a única vantagem do fugitivo.
O garoto não saberia dizer quanto tempo ficaram parados ali com os olhares se encontrando, também não sabia dizer o que passou pela sua cabeça naquele momento, mas, por um momento, pensou ter ouvido uma voz, uma voz vindo de longe, quase como um sussurro inaudível em meio ao fraco assobio do vento gelado que atravessava o corredor.
Uma gota desceu com força dos céus, e, por obra de um cruel destino, caiu em seu olho esquerdo. No exato momento em que piscou para limpar a visão que se tornou embaçada por alguns segundos, os dois atacantes vieram em sua direção em uma rápida investida atravessando o corredor em poucos e compridos passos, e logo, o espaço entre eles parecia ter diminuído em um instante. Antes que pudesse pensar em como ia defender, um punho fechado veio em uma velocidade absurda e acertou-o no lado da cabeça, acima da orelha, empurrando-o para trás. Sua visão embaçou por causa do choque, mas, antes que pudesse revidar, outro soco acertou seu rosto, dessa vez, vindo do outro homem. Seu nariz espirrou um curto jato de sangue vermelho, causando uma dor alucinante que o deixou atordoado por alguns instantes, algo que poderia decidir o futuro da briga. Deu alguns passos para trás procurando ganhar tempo para recobrar os sentidos, mas, sentiu uma pontada de dor queimar-lhe o abdômen e sentiu algo quente escorrer pela sua pele e descer pela barriga em uma linha.
Um frio insuportável inundou seu corpo cobrindo-o de ponta a ponta e penetrando até os ossos. Atordoado e com muita dor, jogou as costas contra a parede em um pequeno e violento salto. Seus dedos tremiam muito, mas, mesmo assim, colocou a mão por dentro da abertura da blusa encontrando no novo ferimento, mais profundo e mais dolorido que o primeiro. Ao puxar a mão de dentro da blusa, viu que ela estava encharcada de sangue fresco, observou-a incrédulo e voltou-se para os dois homens que assistiam a tudo.
Com uma explosão de energia, causada pela dor e desespero, partiu em fúria na direção do homem que estava mais perto, que se assustou e não conseguiu reagir, sem emitir qualquer barulho. O punho fechado do garoto acertou-o no rosto com força, fazendo o homem dar um passo para trás, logo depois, sem perder tempo, outro golpe acertou o homem de pele escura com força, dessa vez, na boca do estomago, fazendo o corpo dele inclinar-se para frente tentando suportar a dor. Um gemido saiu de sua boca como se tentasse esconder isso do companheiro, que observava tudo sem reagir, talvez por choque do ataque violento e instantâneo, talvez por analisar o homem que vinha com ele e suas ações, talvez até por sentir medo.
O homem, agora ferido, investiu para cima do garoto com um grave urro de raiva, porém, isso não intimidou o garoto, que se abaixou rapidamente desviando do soco que tinha seu rosto como destino, depois, com um ágil movimento, virou-se de costas para o atacante dando um rápido giro, com o impulso que havia ganhado, levantou a perna e chutou-o nas costelas. O homem soltou um grito muito agudo, colocou a mão sobre a costela que havia sido golpeada e deu alguns passos para trás.
O momento heróico durou pouco, o homem que esteve apenas observando tudo, em um golpe rápido, acertou o punho fechado nas costas do garoto, fazendo-o perder a força e, nesse momento, enrolou os braços em torno dos dele, enroscando-se como uma cobra, deixando o garoto virado para o homem que havia acabado de golpear, mas agora, estava indefeso.
- Segure-o bem, não vou ter dó desse filho da puta! – grunhiu com raiva o homem parado a frente do garoto, uma linha de saliva escorreu da sua boca, mas ele pouco se importou.
- To fazendo isso, anda logo e acaba com ele! – berrou o homem mais alto, que segurava o garoto.
Ao se aproximar do menino, deu-lhe um soco com muita força na boca do estomago, fazendo-o inclinar-se para frente. O ar que foi respirado com muita dificuldade no segundo anterior, deixou os pulmões do garoto, que, sem ar, só não desabou no chão porque estava preso.
- Ta gostando? – perguntou ironicamente o sujeito aproximando o rosto do rosto do garoto preso. – eu posso fazer a dor parar se você quiser. – terminou fechando a mão envolta do ombro direito dele e, com um pequeno impulso, acertou-o no estomago novamente, agora, com uma forte joelhada.
- Ele não está nem gemendo, acerta ele com mais forçam porra! – disse o homem que o segurava com o tom de voz cada vez mais alto.
Novamente, o garoto foi golpeado, dessa vez, um forte cruzado encontrou seu olho esquerdo.
- Eu to acertando ele com toda a minha força, vai ver, o viadinho já desmaiou. – respondeu o sujeito observando o garoto que parecia não ter forças nem para continuar de pé.
Um abafado e curto riso veio do garoto.
- Você não vai conseguir me fazer gemer do mesmo jeito que a sua mãe gemeu ontem à noite. – disse com desdém na voz, levantando a cabeça e olhando para o homem parado na sua frente. Seus olhos esverdeados, agora não tinham nenhum brilho e seu rosto pálido lhe deu uma aparência estranhamente sombria.
- julgar, 23° missão.
Aquele ato, tão chocante para a sociedade que olhava apreensiva com seus olhos incriminadores o homem ferido ser algemado e escoltado até a viatura, podia ser visto de um milhão de perspectivas. Algo estranho de se imaginar, realmente, é impossível entender de todos os modos se você esteve presente, se você vive e tem uma parcela, mesmo que mínima, de vivencia.
Um homem, horas atrás, andava em passos rápidos em direção a uma pequena padaria. A arma na sua mão cintilava em um brilho frio de aço, um brilho mortal. Seu olhar firme escondia, como uma mascara, os pensamentos que lhe levaram ao tal ato, os medos que a reflexão sobre o estado em que se encontrava lhe condenavam, mas aquilo precisava ser feito.
Sua mãe estava muito doente e só seguia com vida pois alguns aparelhos faziam o serviço que vários órgãos precisavam fazer, mas para que eles continuassem funcionando, precisava de dinheiro. Ninguém via assim, ele cometeu um assassinato e era só isso que a sociedade enxergava, ou parecia enxergar, ou se obrigava a enxergar. Naquele lugar frio e úmido, com a arma na mão ainda soltando fumaça apontada para frente graças ao seu braço imóvel, o homem caído de costas para a parede com um buraco no peito, naquela pequena padaria da periferia, o mundo parecia outro, parecia... parado.
Antes que pudesse reagir, antes que pudesse entender, fora apanhado em uma corrida desesperada pela liberdade, subindo pelos telhados, correndo sobre os muros. Era isso que queria pra si mesmo? Deveria ter pensado melhor.
Agora, estava jogado frente ao futuro pesado que se aproximava. Antes de tudo, poderia apoiar sua mãe até a sua morte e não causa-la.
segunda-feira, 13 de junho de 2011
- mãos dadas, 22° missão.
Desde o dia em que ele apareceu na minha vida, como uma escuridão devorando a sanidade, o simples ato de viver tornou-se um tormento mortal, trazendo dor, insegurança e... medo do escuro.
A sociedade julga minhas palavras com ferro e fogo e os ideais submersos nunca serão revelados. Podem dizer que eu sou louco, não me importo, de certa forma, vocês não entenderiam. Não se pode compreender a terrível simetria entre o nosso mundo e as sombras, o complexo labirinto entre a realidade e a fantasia, onde ele mora, onde ele vive e onde ele odeia.
Começou com uma brincadeira de criança, infantil e inocente. Era essa época, antes do horror pintar as paredes do meu cérebro com sua tinta vermelha. O casarão na Rua Fernandes era antigo, mais antigo do que se pode dizer e suas lembranças tão terríveis quanto o temor que ela trazia as pessoas que passavam lá perto. De dentro sempre soprava um sussurro gélido e terrível, arrepiando a espinha do homem mais corajoso que eu conhecia, eu mesmo.
Foi isso que o trouxe, minha insatisfação e desprezo para com o medo, o medo de ter medo, o medo que mais queima os pulmões, o medo que mais acelera o coração. A sombra pairava sobre a casa, negra como fumaça, porém, vazia como o mundo. Podia senti-la do ar frio que eu respirava, nas taboas podres em que eu pisava e na canção que eu cantava. Como se tivesse me escolhido, algo provável, apareceu na minha frente como uma cegueira noturna, pelos arrepiados juntos com a primeira sensação de horror que profanou minha mente desde que me lembro como gente. Foi terrível, mas, nada mais terrível do que o futuro colocou nas minhas costas, o peso da escuridão concentrada.
A partir desse dia, ele sempre esteve comigo, andando lado a lado, como a solidão que acompanha um garoto perdido. Era uma forma indefinida, ninguém acreditava, ninguém via, apenas sentiam algo de errado comigo, as mechas de cabelo em minhas mãos, a vermelhidão dos meus olhos, as olheiras negras descendo pelo rosto. Meu cansaço era visível e isso me tornou diferente, pelo que meus pais diziam, mas, eles não entendiam. A figura atravessava a negra escuridão do meu quarto escuro e tornava o lugar frio, a figura dançava com as sombras as minhas costas trazendo horror ao escuro, a figura me assustava como nada havia assustado, ela era o medo encarnado.
Cada vez maior, cada vez mais forte, as correntes arrastavam pelo chão e seu tilintar trazia suor ao meu rosto pálido, ele dizia palavras profanas aos meus ouvidos e me fazia acreditar que aquele era o fim. Não havia saída, ele não iria embora e continuaria a me atormentar em seu canto infernal. Eu estava sozinho, a melancolia devorava toda a sanidade mental e lavava o calor do meu corpo levando a esperança embora, ele falava em muitas línguas, muitas respostas e muitos horrores, toda a dor que traria se eu continuasse, que a chuva seria quente demais para eu agüentar, que ela queimaria a minha pele como acido e eu me tornaria o cego que havia nascido para ser. Todos os dias ele me perseguia, na escola, na rua e em casa e trazia consigo a promessa de um anjo. A morte.
Guardar a dor era impossível, sentar na cama e sonhar acordado com uma vida normal era fora de cogitação, eles me julgavam, não havia caminho certo e todos os errados levavam para um fim. Onde o rio corria era fácil ver a nascente, limpa e alva, mas, a poluição havia se tornado forte e, ao seu fim, era melhor esquecer a beleza perdida, ninguém pode ver como eu me sinto, ninguém entende meus gritos ou ouve meu clamor, uma vitima de uma mente machucada, ele era forte, ele podia fazer o que quiser em seu plano e fragmentar todo o tipo de alegria que eu poderia vir a ter, caindo no escuro, descendo pela enorme cavidade deste inferno, tocando uma sinfonia distorcida que entrava pelos meus ouvidos.
Era meu ultimo encontro com ele e eu tinha coisas a dizer, sobre a lamina sem brilho que ele havia usado para me apunhalar, sobre o sorriso em seu rosto ao me fazer sofrer, sobre as lagrimas que derrubei e a dor que temi.
Ele lia minhas palavras cegas que em gritos tornaram-se um gemido sofrido, lamentos e um clamor indefinido. Fim.
- sobre lobos e luas, 21° missão.
O crepúsculo se aproximava apressado e o limpo céu azul começava a ser manchado por um avermelhado intenso, as poucas nuvens perdiam o foco quando o manto negro da noite cobria a vastidão da visão humana, sua escuridão penetrava na mente do homem como uma faca limpa e brilhante, que refletia com seu aço frio todos os medos que se aproximavam.
Lá, para onde os pássaros não voavam, lá onde as canções não faziam sentido, lá onde as pessoas temiam, lá onde a beleza se perdia. Lá era onde ele morava, na pequena casa de tijolos cinzentos mal pintados, onde um numero prateado estava pregado. Era assim há muito tempo, todos sabiam, era assim desde que começou, desde que fora mordido.
Havia feito calor durante o dia inteiro, o sol lhe deu uma falsa sensação de esperança, mas, com aproximação da noite, ventos frios traziam arrepios ao homem constantemente e com eles, a certeza dos males que ocorreriam.
Seus braços cheios de cortes e rasgos profundos estavam apoiados na borda da janela. Muitas cicatrizes clareavam a pele pouco bronzeada e mais dores do que podia suportar eram trazidas a sua mente cada vez que as fitava.
Puxou o vidro da janela com força e o barulho ecoou pelo quarto semi-vazio e mal iluminado dando um aspecto de solidão inexorável.
- Ela já deve estar longe. – Resmungou o homem a si mesmo com sua voz grave.
Falar sozinho era costume quando dias assim chegavam, era como ter um amigo invisível, a solidão parecia menos depressiva.
Caminhou em passos lentos e arrastados até o banheiro no outro lado do aposento, abriu a porta, que rangeu alto preenchendo o silencio que inundava o local.
Vários cacos de espelho estavam caídos no chão em diversos formatos, o resto do objeto na parede estava com varias rachaduras e marcas de sangue pintando as formas retas formadas em sua superfície. O homem, ao entrar no banheiro pisou com seus pés descalços em alguns cacos, que penetraram fundo como espinhos de roseira, mas, pouca atenção lhes foi dada. Ele parou frente ao resto do espelho quebrado pendurado na janela e fitou-o. Fez uma careta de indignação.
- Nunca fui um homem bonito, mas, ando um lixo! – comentou consigo mesmo passando a mão calejada pelo rosto e dando uma boa olhada em sua barba que crescia como grama no verão. – preciso voltar a me cuidar, não sei como a Amélia ainda gosta de mim... – terminou.
Inclinando um pouco a cabeça para baixo, fitou a alva pia de porcelana Abriu a torneira e deixou a água fria cair em uma fina linha de água limpa e clara, na qual molhou as mãos e passou-a pelo cabelo ralo e oleoso jogando-o para trás.
Virou-se para a porta e caminhou até a velha cama de casal que praticamente se estendia de parede a parede do quarto. Sentou-se e colocou um pé sobre o joelho, viu os cacos que haviam penetrado no seu pé e ficou surpreso de com o numero, tão poucos. começou a tira-los com os dedos em forma de pinça, quando terminou, olhou novamente para a janela, mas, sem sair do lugar que estava. A noite estava chegando rapidamente, a luz do sol já se dissipara quase que totalmente, levantou e correu em poucos passos na direção a porta, trancou-a e o fez também com o pesado cadeado dourado.
Tudo ia desmoronar novamente, os sentimentos, as lembranças. Era assim sempre que a lua cheia subia, sempre o medo crescia e o maldito cão prevalecia. O único pensamento que o mantinha firme era que Amélia estava a salvo e era isso que importava, ela havia estado com ele e o dava forças para continuar em frente, independente de seus problemas, ambos eram felizes, por isso, perde-la era o seu maior medo, era como perder o único pilar que o sustentava.
Voltou para a cama e deitou-se nela de qualquer jeito.
- Juntos na saúde e na doença, na alegria e na tristeza. – disse pra si mesmo olhando para os restos da lâmpada no teto que um dia já iluminara o local. – quem ia acreditar nisso? Em um voto feito na igreja? – terminou.
Após um riso seco e irônico, voltou os olhos para a janela. A noite chegou. A lua cheia emergiu.
O velho ciclo estava pronto para recomeçar, todo o medo havia ido embora durante os primeiros anos, claro, a ilusão de que um dia poderia ser o homem que fora um dia, já estava enterrada há muito tempo. Os pesadelos dançavam na escuridão como demônios, trazendo pensamentos horríveis a mente do homem, medos escondidos sob uma fina camada de insegurança.
Começou, a dor se alastrou por todas as células do seu corpo queimando como gelo, ardendo como brasa, fazendo seus membros se contorcerem em formas estranhas e irregulares, seus olhos reviraram-se para cima tornando tudo mais escuro do que deveria estar, suas mãos agarraram o lençol rasgado e puxaram-no com força soltando-o das bordas do colchão. Aos poucos, sua forma humana foi sendo alterada e seus traços tornando-se animalescos. Seu nariz começou a esticar e tornar-se um comprido e largo focinho, sua boca sofreu do mesmo mal e seus dentes cresceram rapidamente tornando-se afiados e pontiagudos, como presas. Suas unhas cresceram até tornarem-se cinco pares de afiadas garras negras, que penetraram fundo no colchão rasgando-o em puxões poderosos, suas pernas dobraram-se para trás e esticaram afinando-se, o mesmo aconteceu com seus braços e, aos poucos, pelos cinzentos começaram a crescer por todo o seu corpo em uma velocidade absurda.
terça-feira, 26 de abril de 2011
♥.
- Cacete, como vou mostrar pra ela o que estou sentindo? – resmunguei olhando pela janela.
O trem, como todas manhãs, estava completamente lotado e, talvez pela primeira vez, não me importei com isso nem um pouco, meus pensamentos estavam distantes. Nem mesmo o vento frio, que penetrava pela minha pele fazendo os dentes rangerem em um movimento constante, conseguiam mudar meu pensamento.
As arvores passavam rapidamente pela janela, verdes e cobertas de musgos, logo sendo trocadas por um amontoado de concreto seco. O cheiro de névoa era trocado também, pelo odor podre de poluição e fumaça liberada pelas grandes chaminés das fabricas ou pelo escapamento dos carros.
Peguei o celular do bolso com dificuldade, por culpa do amontoado de pessoas e comecei a digitar sem pensar.
“Antes de você, eu nunca havia sonhado acordado a noite. Antes de você, eu nunca havia chorado de alegria. Antes de você, eu nunca havia visto os olhos de alguém na escuridão do meu quarto. Antes de você, eu nunca havia enrolado o cobertor e o abraçado em um gesto desesperado de saudade e carência. Antes de você, eu nunca havia sorrido de verdade, mostrando todos os dentes. Antes de você, eu nunca havia me esforçado por alguém. Antes de você, eu nunca tinha sentido esse ciúme forte com medo de te perder para alguém.”
Parei e olhei para o que tinha digitado, claro, como sempre, eu iria chegar em casa e arrumar depois de um surto de inspiração, mas ele não havia vindo, aquilo era só... aquilo.
Apaguei tudo e guardei o celular no bolso novamente.
- Eu quero demonstrar isso, mas como? – sussurrei olhando novamente pela janela.
Sentei na segunda carteira da segunda fileira da sala comprida e cheia de alunos, como sempre fiz. Alguns garotos falavam em voz alta sobre qualquer assunto sortido, outros riam e outros gargalhavam.
- Eu não preciso suportar isso. – disse a mim mesmo colocando o par de fones de ouvido e ligando a musica no ultimo volume.
Depois, abri o livro que estou lendo no momento e encarei as letras impressas na pagina amarelada como se elas fossem me dizer o que fazer. Não deu tempo, o garoto que senta ao meu lado se aproximou e começou a puxar conversa. Merda.
Sai mais cedo da faculdade, antes de aula de Elétrica terminar. Não queria voltar com o meu vizinho de carteira, ele iria conversar comigo e eu precisava escrever alguma coisa.
Atravessei a catraca e caminhei pela suja e fria avenida cheia de bares em passos firmes e nariz erguido. Quando pude ver a estação, o trem passou em uma velocidade impressionante, esqueci tudo, comecei a correr o mais rápido que pude e assim que o trem passou pela estação, eu aumentei a velocidade na esperança de conseguir entrar nele. Doce ilusão.
Fiquei sentado em um banco de madeira olhando para o horizonte, as nuvens negras cobriam todo o local e o frio apenas se intensificava, junto com o medo de uma forte tempestade que estava a caminho.
Peguei o celular novamente e olhei para ele.
- O que vou escrever? – grunhi em voz alta.
O guarda da estação que estava parado olhando para a estação com os olhos fixos na grossa linha de ferro que a atravessava e virou-se para mim em um gesto assustado.
Sentado no banco duro do trem, congelando com o ar condicionado ligado, virei-me em direção a janela. Novamente as arvores estavam passando, mas dessa vez, o vento forte as fazia dançar em varias formas, dando a impressão de que elas eram moles.
Tirei o celular do bolso e tirei uma foto das arvores, ela ficou borrada, então apaguei.
- Cacete.
Apesar de tudo, sob as cobertas quentes, eu estava muito feliz, por vários motivos.
- Batemos o recorde! – disse pra mim mesmo enquanto me mexia na cama a procura de uma posição confortável.
O vento assobiava lá fora quando as primeiras gotas caíram e molhavam o vidro do meu quarto.
- Ótimo, chuva.
Peguei o celular novamente e encarei-o com os olhos semicerrados.
- Vamos, eu a amo e quero mostrar, me ajuda! – disse em voz baixa.
Ele não respondeu.
- Já sei! Vou escrever um conto incrível sobre ela sofrendo um acidente e eu indo ficar com ela no hospital até ela acordar, por meses! – pensei que era a idéia do século, mas, não era.
O texto ficou muito descritivo, como todos os que eu faço e percebi que ia ficar as próximas cinco horas escrevendo e não ia sair do lugar, por isso, parei de digitar e peguei meu caderno e comecei a estudar.
Estudei, estudei e estudei.
A água do chuveiro caia quente sobre o meu corpo, me dando uma sensação muito prazerosa, o dia estava muito frio e aquilo era uma nova fonte de energia para uma mente cansada e dolorida.
- Eu a queria aqui comigo e não sei como dizer isso! – disse enquanto inclinava a cabeça para trás e deixava a água molhar meu cabelo deixando meu rosto vermelho e quente.
Sai do banho em vi a toalha azul-escura dela pendurada ao lado da minha em ganchos de metal.
- Acho que poderia me secar com a toalha dela, seria bom se sentir próximo dela. – pensei em voz alta e comecei a passa-la pelo meu corpo molhado até sentir os pequenos gomos na minha barriga.
- Ah, olha só o que eu faço por ela, é bom que me ame muito.
segunda-feira, 25 de abril de 2011
- sobre nós, 20° missão.
- uma estação, 19° missão.
quinta-feira, 21 de abril de 2011
- um erro, três vidas, 18° missão.
quarta-feira, 20 de abril de 2011
- Sangue e vingança, 17° missão.
O gélido vento de uma noite de outono atravessava a rua como um sussurro ríspido e triste, acompanhando-o vinham os últimos olhares nervosos e esperançosos observando o movimento quase morto de suas janelas altas e protegido nos prédios cinzentos e antigos que se estendiam em direção ao céu rasgando-o como a ponta de uma faca.
Em um desses prédios, não no mais bonito e nem no mais feio, morava Edward.
Claro, aos 20 anos, era difícil para ele manter o aposento completamente limpo e arrumado, algumas roupas estavam espalhadas e amassadas no chão do único quarto, sua cama estava desarrumada a dias e sobre ela, um prato jazia com farelos de pão.
Com um estrondo alto que ecoou pelo corredor escuro do andar em que morava, a porta da entrada de seu apartamento abriu chocando-se contra a parede com força e uma rajada de um vento frio invadiu o local.
Edward acordou subitamente de um leve cochilo no sofá, levantou-se e preguiçoso, arrastou os pés pelo chão frio e liso até a porta, fechou-a sem qualquer barulho e voltou seus olhos para o relógio redondo posto na parede. 8:00 horas, sua namorada chegaria as 10:00, havia tempo de sobra para arrumar o local, tomar um belo banho quente e talvez, pedir a sua janta, uma grande pizza.
Foi até o quarto com movimentos lentos e cansados, recolheu o prato e levou-o até a pia, não com mais velocidade do que fez qualquer coisa anteriormente, com sua mão livre, coçou o olho e procurou tirar qualquer tipo de sujeira ou meleca que pudesse assustar a garota.
- Talvez aconteça hoje. – disse a si mesmo enquanto dobrava um cobertor que cheirava a mofo. – Talvez ela até durma aqui, é tarde, não vou deixar ela ir embora sozinha... talvez ela queira transar comigo!
Edward namorava uma garota a quase três meses, ela não era virgem, de forma alguma, mas sempre parou qualquer iniciativa do rapaz com alguma desculpa esfarrapada, isso deixava o Edward nervoso.
- Será que tenho alguma camisinha perdida? – se perguntou enquanto jogava a coberta dobrada sobre a cama. – Faz tempo desde a minha ultima transa, foi com aquela bêbada no banheiro de uma balada. – terminou, sentiu um leve formigamento entre as pernas e sorriu.
Depois de arrumar o pequeno apartamento, olhou novamente para o relógio, quase 9:00 horas. Ele precisava de um banho, sentia um cheiro horrível emanando de todo o seu corpo suado, havia trabalhado até mais tarde naquele dia, recebendo um dinheiro a mais para o dia de hoje. Seu cabelo estava oleoso por causa do muito suor que escorreu enquanto estava no ônibus lotado.
- Nenhuma garota vai sequer olhar pra mim com essa cara. Muito menos chegar perto com esse cheiro de porco suado. – resmungou.
Pego sua toalha estendida em uma pequena cadeira de madeira, onde moravam alguns cupins, colocou-a sobre o ombro, pegou uma muda de roupas dobradas e foi para o banheiro sujo escuro e com um leve cheiro de esgoto.
Ascendeu a luz usando o interruptor ao seu lado e caminhou até a pia em dois passos curtos, colocou a roupa em cima e pendurou a toalha em um gancho de ferro preso a parede, depois, despiu-se, jogou a roupa em um canto no chão e abriu o chuveiro entrando em baixo dele logo em seguida, no começo, a água estava fria, mas logo esquentou seu corpo, fazia frio e a água quente lhe dava novas forças depois de um dia cansativo.
Seu corpo corou enquanto a água lhe esquentava, depois de um tempo, começou a passar o sabonete pelo corpo sem pressa, mas antes de qualquer outra coisa, o chuveiro deu um forte estalo e uma luz ascendeu em um fio verde que ficava para fora da parede, em seguida a água deixou de ser quente e tornou-se muito gelada e Edward estremeceu e resmungou.
- Cacete de chuveiro velho!
Desligou o chuveiro o mais rápido que pode e estendeu o braço a procura da toalha, não encontrou, olhou para o gancho de ferro e ele estava vazio.
Pegou a toalha de rosto na pia, pensativo e começou a secar seu corpo magro com aquele pedaço de pano minúsculo, colocou o short, mas antes que pudesse vestir a camiseta que havia pego, ouviu um barulho alto vindo da sala, como de um vidro se estilhaçando.
Abriu a porta e olhou, a sala, cuja estava escura e se perguntou se havia desligado a luz, quando ouviu um barulho vindo do quarto.
Ladrões, pensou na mesma hora.
Fechou a porta do banheiro e fechou o trinco, quem quer que fosse, não iria o levar embora, talvez fosse alguém vindo atrás dele por causa do seu passado estranho.
Apagou a luz do banheiro de modo que a única claridade no aposento vinha da pequena janela no alto do lugar, parou de frente para a pia e jogou a cabeça para trás com os olhos fechados, abriu a torneira de modo que uma fina linha de água caia na pia, molhou as mãos e molhou o rosto em seguida tentando por os pensamentos em ordem.
- Acho que estou ficando paranóico. – disse ele olhando para o espelho. – talvez tudo isso seja coisa da minha... – parou, quando fitou o espelho com cuidado.
Uma mancha vermelho-escuro pintava seu rosto com uma grossa camada, olhou para as mãos e elas também estavam com essa cor, deu um grito alto e olhou para a pia, o que antes era água que saia da torneira, parecia... sangue.
Limpou o rosto com a camiseta que estava perto e saiu do banheiro, atravessou a sala com os punhos cerrados e passos longos e firmes até que sentiu algo penetrando na sola de seu pé descalço, com um gemido abaixou-se e viu um fino caco de vidro rasgando sua carne, arrancou-o e percebeu quando olhou para cima, a luz estava apagada porque a lâmpada havia explodido.Riu para si mesmo.
- Que idiota que eu sou. – pensou pondo a mão no rosto.
Mas, a mancha de sangue na mão era real, fazia muito tempo que não usava qualquer tipo de droga, havia parado com isso e não iria voltar. Após resmungar, ouviu um barulho estranho vindo de seu quarto.
- São só alucinações, não tem nada lá. – repitiu pra si mesmo algumas vezes enquanto ia em direção a mesa.
Pegou a faca que estava lá em cima, empunhou-a com força e foi em direção ao quarto, cujo a porta estava fechada. Eu não a fechei, pensou.
Abriu a porta de madeira fina lentamente, fazendo mais barulho do que esperava, não havia nada lá, nada anormal. Suspirou aliviado.
Virou-se para a sala, e então, seu coração saltou forte. Na parede havia uma mancha enorme de sangue, de quase dois metros se estendendo horizontalmente, como se uma mão sangrando tivesse passado por ela, ele conseguiu perceber algo parecido com dedos no final da linha, colocou a mão na boca e esfregou os olhos, ela ainda continuava lá.
Correu em direção ao telefone, que estava sobre um balcão e começou a discar o numero da sua namorada quando a campainha tocou, Edward jogou o telefone no gancho e disparou em direção da porta sem olhar para a mancha.
Estava com medo, mais medo do que já teve em toda sua vida, um frio estranho penetrava em seus ossos como estacas de gelo e a faca tremia junto a mão suja de sangue, pingando.
Olhou no olho-magico e viu um vulto de um homem parado de costas, usava uma jaqueta, de couro talvez, mas, havia algo errado, ele virou-se para o olho mágico, seu olho era completamente negro e sem brilho, seus lábios sem cor e sua pele muito branca, ele murmurou algo olhando para o olho-magico, Edward perdeu então o pouco controle que havia sobre seu corpo, abriu a porta com toda a força, forçando-a a bater com força na parede. Cegos de ódio e loucura, pulou sobre o vulto e empurrou a faca sobre sua carne macia, fez isso varias vezes, estava com ódio, com dor e com medo.
Quando a adrenalina baixou, ele olhou para o corpo sem vida que segurava entre os braços, era Gabi, sua namorada, e em sua testa, estava escrita com cortes profundos “vingança”.
sexta-feira, 15 de abril de 2011
- loucura, 16° missão.

sexta-feira, 8 de abril de 2011
- Sussurro, 15° missão.

- O corvo, o lago e a tempestade, 14° missão.
domingo, 3 de abril de 2011
- Na alcatéia, 13° missão.

segunda-feira, 21 de março de 2011
- Faca de dois gumes, 12° missão.

domingo, 20 de março de 2011
- A realidade profana, 11° missão.

segunda-feira, 7 de março de 2011
- Acreditar e odiar, 10° missão.

domingo, 6 de março de 2011
- Passado, visto do presente, 9° missão.

sábado, 5 de março de 2011
- O mundo vazio, 8° missão.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011
- O choro no deserto, 7° missão.
